20.8.08

Prefixo 85

Estima-se que os chamados "golpes do telefone" tenham surgido no Brasil em 2006. Com eles, veio a repercussão na mídia: são tantas as ocorrências que tanto os veículos de comunicação quanto a polícia deixaram de dar grande importância.

Mesmo assim, hora ou outra ainda se vê matéria sobre isso publicada no jornal. A descrição do golpe é tão esdrúxula - no sentido não-oficial da palavra - que, ao ler a notícia, nos perguntamos: mas como alguém acredita em uma coisa dessas?

Método

No início, a moda era o seqüestro-relâmpago falso. O telefone toca e uma voz desconhecida informa que teu filho(a)/irmão(a)/whatever foi seqüestrado. Talvez tenha caído em desuso porque exigia um certo conhecimento de público-alvo: o risco de dizer para alguém que não tem irmãos que o maninho está em cativeiro, ou falar por telefone que tua filha corre risco de vida enquanto ela está do teu lado, é enorme. Acho que desistiram quando até minha avó escapou dessa: ligaram dizendo que o filho dela que morava longe (tenho um tio no Paraná) tinha sido seqüestrado. Nem assim deu certo, então, o negócio é mudar de tática.


O golpe do seqüestro virou piada.

A mania do momento - já há algum tempo - é a promoção. Em nome de uma empresa qualquer, o suposto funcionário cita um rol de prêmios a que a vítima tem direito, contanto que ela doe determinada quantia para os criminosos uma instituição de caridade. Como o negócio se dá em âmbito nacional, a bola da vez é a campanha Criança Esperança.

"Heim, ainda é muito mais difícil
"

Isso era o que eu sabia antes de minha estimada genitora ser mais uma "contribuinte." O negócio é muito mais ridículo. Hoje fiquei sabendo de outros detalhes, como a ligação ser a cobrar e a vítima ser instruída a passar álcool no comprovante de depósito. Não entendo porque a preocupação com a destruição da prova, visto que as contas em que se deposita o dinheiro, sim, são contas-relâmpago.

Mesmo desconfiada, e até um pouco relutante, a mãe caiu na primeira fase do golpe. Depois do depósito inicial - de 200 reais -, é pedida uma segunda doação, que corresponde a 1% do outro prêmio. Minha mãe foi contemplada com um prêmio muito bom e teria de depositar 800 reais na mesma conta.

Após o ocorrido, ela admitiu que não estava tão confiante na veracidade da situação, mas achou que valesse a pena arriscar 200 reais. Desembolsar 800 paus, no entanto, não rolava.

E cai a ficha

Ainda bem que, além da minha mãe, a ficha também caiu. Ao saber do fato, minha foi enfática ao dizer que obviamente era um golpe e fez a mãe ir ao banco verificar se não poderia haver mais riscos. Por precaução - embora o bancário tenha garantido que ninguém poderia ter acesso àquela conta - a mãe ainda transferiu todo o dinheiro para outro banco.

Depois, ainda foi à delegacia registrar o que havia acontecido. O policial que a atendeu disse que não tem o que fazer, e que é freqüente esse tipo de ocorrência. "Até minha mãe caiu", contou. Para a Delegacia de Fraudações e Falsificações do Ceará - Estado de onde normalmente provêm as ligações -, o processo é lento porque normalmente "os criminosos já são pessoas condenadas pela justiça", referindo-se a presidiários. Nem sempre.

Psicologia

Se eu fizesse psicologia, acho que me dedicaria a tal estudo. Depois de saber de tantas ocorrências do mesmo caso, apesar da divulgação corriqueira de crimes do gênero, só me resta imaginar que a alma do negócio é a abordagem.

Minha mãe é o tipo de pessoa que não preenche formulários eletrônicos, porque não acha seguro fornecer dados pela Internet. Por que diabos ela teria acreditado em alguém com sotaque de nordestino que conta uma história sem pé nem cabeça? Ainda, a mãe vive neurótica ocupada com afazeres de casa e sendo constantemente atormentada pelo meu sobrinho - que apesar de superfofo, é uma peste muito agitado. Jamais imaginaria que ela ia se prestar a ir ao banco de manhã, para garantir prêmios de uma promoção no mínimo duvidosa.

Um cabeludo, de preto, no Evani

"Aquele que caiu no golpe do telefone" já não especifica nada. É incrível a quantidade de gente que cai ou escapa por pouco, mesmo com tantos avisos. Será, então, uma questão de esperança e conseqüente vulnerabilidade?

Informação


Há algumas semanas, uma senhora em Rio Grande foi acometida pelo mesmo esquema. Por acaso, eu li o jornal no dia posterior. Lembrei imediatamente disso quando a mãe - lamentando ter sido burra, mas agradecendo que tenham sido apenas 200 pila - me contou a função toda.

Reativei um e-mail que tinha feito pra mãe e a cadastrei no site do Diário Popular. Coloquei atalhos da Folha Online e da Adote - com que ela contribui - no navegador, para facilitar-lhe o acesso. Pensei, hoje, que isso não teria acontecido se ela tivesse lido a matéria antes de poder se identificar com a história.

Mais eficiente que revistar visitas e bloquear sinal de celular em presídios, pode ser a informação. Não se pode falar em falta de aviso: o Google apresenta 145 mil ocorrências para golpe telefone promoção. Infelizmente, a Internet e a mídia impressa não estão dando conta.

Minha sugestão é um anúncio de advertência sobre o caso no intervalo da novela das oito. Já se chegou a dizer que é um problema de segurança pública; publicidade legal é baratinho, ia ser uma baita idéia - e auto-propaganda - o governo bancar isso.