3.1.10

Quem decidia quem usava os pijamas e quem usava os uniformes?

Postagem indicada a quem já leu O Menino do Pijama Listrado, pois contém muitos spoilers e nenhum resumo do livro.

Fui passar o feriado na praia e voltei com O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Striped Pyjamas) lido. Aposto que se tivesse planejado ler um livro durante um fim de semana em São Lourenço do Sul, certamente não teria rolado.

O Menino do Pijama Listrado é o quarto livro de John Boyne, um cara irlandês que hoje soma sete livros de ficção publicados. O livro citado foi lançado em 2006 (a primeira impressão em português é de 2007), e em 2008 já era filme (odeio isso).


Apesar da loucura por pôr as quase 200 páginas nas telas com tanta rapidez, não senti uma "roteirização", como ocorreu n'O Código Da Vinci. O livro tem um equilíbrio legal de pensamentos e falas, e traz muitas descrições de locais, pessoas e coisas, o que é um ótimo suporte para adaptar um roteiro, mas não força isso. No caso do Dan Brown, só faltava formatar o arquivo. Dizem que todos os livros do Brown são assim, mas só li o que tem o Tom Hanks (não dá pra imaginar outra coisa quando já se sabe quem vai interpretar o magrão principal no filme).

O Fúria os mandou para Haja-vista

Foi muito fofa a ideia de usar termos simplificados para ilustrar a (falta de) compreensão de Bruno, o personagem principal, que teria apenas nove anos. Além do bem-sucedido efeito infantil, é uma forma de dar leveza à leitura, evitando palavras que provocam arrepios em qualquer um que estudou história no ensino médio. A propósito, os termos são utilizados dessa forma mesmo quando não fazem parte de falas ou pensamentos de Bruno, sendo tratados assim também na narração do livro e nas falas de outros personagens. Há poucas menções a essas palavras como são realmente, e quando acontece, elas não são citadas, pois Bruno não as entende dessa forma.
“O nome é Haja-Vista”, protestou ele.
“Não é”, disse ela, pronunciando corretamente o nome do campo para ele.
Bruno franziu o semblante e deu de ombros ao mesmo tempo. “Pois foi o que eu dis
se”, disse ele.
O mesmo recurso é utilizado para expressões de baixo-calão, que ficam a cargo da dedução do leitor.
“Ei, você!”, gritou ele, acrescentando, então, uma palavra que Bruno não entende. “Venha cá, seu...” Ele disse a tal palavra novamente, e alguma coisa no tom rude com que a entoava fez Bruno se sentir envergonhado e desviar os olhos, não querendo tomar parte no que estava acontecendo.
Também é usado o artifício da repetição como marca da infantilidade. Alguns termos são usados com frequência e sempre grafados em title case, em um comportamento de título mesmo. É o caso de Proibido Entrar em Todos os Momentos Sem Exceção, adjetivo atribuído ao escritório do pai de Bruno.

Fluência e paciência

A leitura é leve e flui tranquilamente, na verdade, até prende o leitor ao livro (foi assim que me atrasei para almoços e idas à praia, por exemplo).

No entanto, há quem diga que o livro parece chato, pois realmente demora a chegar no enredo esperado. Apesar do texto de orelha dizer que é melhor não dar dicas sobre o livro porque "isso poderia prejudicar sua leitura, e talvez seja melhor realizá-la sem que você saiba nada sobre a trama", o nome do livro é o suficiente. Pijamas Listrados só vão dar as caras lá pela página 50, e o Menino então vai aparecer apenas na metade do livro, aproximadamente. Talvez a ansiedade faça com que as pessoas percam a paciência.

Menos trágico que o esperado

O final do livro é previsível, mas não por isso deixa de ser forte. Desde o primeiro encontro de Bruno e Shmuel, em que é citado que "o arame levantava facilmente e um menino no tamanho de Bruno conseguiria passar sem dificuldade", pode-se imaginar que a travessia vai acontecer. Em seguida, provavelmente, viria a tragédia.

Pode ser crueldade da minha parte, mas eu estava esperando que o próprio pai matasse ou mandasse matar Bruno, antes de poder reconhecê-lo. Teria sido mais interessante o impacto imediato, acredito, em vez da dúvida do desaparecimento. Admito, entretanto, que a hipótese da câmara de gás é bem mais plausível, pois os meninos foram arrastados no meio de uma multidão, justificando a confusão entre Bruno e uma criança prisioneira.

De uma forma ou de outra, a ideia transmitida funciona e comove, não apenas no final, mas durante todo o livro. A incompreensão sobre o abandono dos lares e das diferenças entre eles, as perguntas sem resposta, a ignorância sobre os porquês das ações que a criança presencia.

O mais forte talvez seja a inocência e justiça confrontadas com o condicionamento. Bruno não sabe porque é o contrário dos judeus, mas acredita que os alemães são superiores. Bruno acredita quando Shmuel diz que os soldados são maus, mas duvida que seu pai - mesmo sendo o comandante - possa querer o mal para aquelas pessoas.

Agora, resta ver como ficou tudo isso no suporte audiovisual, apesar de o trailer já te revelado que roubaram um ano da idade das crianças. ¬¬